segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Desejismo

...e doía!

Cada vez que respira, lhe dói encher o peito de vida... viver e não ver solução na vida, porque o Deus, consciente e maligno, lhe dera mais que um corpo, lhe dera uma visão maldita sobre as coisas, uma visão profunda e rochosa, porosa e escaldante...a vida era desértica e inóspita.

Ao correr os olhos sobre seu corpo, ali, naquele espelho impiedosamente iluminado, uma grande energia percorria junto a seu sangue e transbordava cada célula de seu corpo com o ódio inumano de quem era irremediavelmente só no mundo... uma peça sem encaixe. A boca macia e raivosa... tensa e úmida ansiava gritar ao corpo habitado “não te desejo”.

Agora é cedo para dizer, mas há alguma coisa ainda em descoberta... alguma coisa traduzindo-se na lentidão paciente dos monges e no silício fervoroso dos cristãos. Minhas mãos atadas constroem sem finanças alguma a arte macabra do amor utópico, e o caminho já decorado ilumina-se atrativo, é uma pequena arapuca com uma saborosa isca, enfio minhas mãos, o corpo, e quando estou entregue ao deleite pernicioso eis que me iça, indefeso e confuso... debato-me suspenso no ar.

A santidade pagã em que me reconheço, não é reconhecida fora de mim, há uma espécie de universalizador da fé...e a minha fé apátrida, órfã e não argumentada não encontra lugar ao sol e torna-se então uma fé obscura. Na sua frialdade orgânica o excesso de emolientes torna tudo mais frágil. Mas tudo na minha religião é úmido e maleável, a matéria de minha religião não é o medo ou a castidade, não é o puro nem o belo... há uma adoração queratinosa e secular que faz as bocas torcerem-se enojadas.

Oh Deus, senhor de todas as maiúsculas, dá a mim também o beneficio generoso de teu amor, fortalece minha alma cegando-a com tua luz, apatize-me como a um filho teu e cubra-me com a singela alienação divina. Quero aprender contigo a diária derrota e conformar sorrindo, sorrindo, sorrindo...

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