quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Ana (B)

Ana acorda novamente, não está em casa, asas de pombas no beiral....
Um cheiro de pessoas destiladas, a janela aberta, o vigésimo andar. Está suada, seus cabelos grudam-se à testa; o cheiro vaporoso de seu corpo, como um pano umedecido e esquecido. A casa parece vazia - silêncio exclamado – a claridade decidida abre caminho as seis e tantas da manhã. Porque o mundo, estranhamente se faz novo da noite para o dia – da noite para o dia.
Todos os toques estão ali, na pele salgada, nos pelos invisíveis, no seio firme. O indizível aconteceu, sem glória, sem lembrança, sem uma gota de seu sangue divino – porque Ana é forte, apenas sua comunicação que é ruim.
Levanta, porque precisa de água... a cabeça dói, o caminho se contorce, gira num eixo imaginário – por que estou perdida? - um rio traça caminho a partir de seus olhos. Suas entranhas reviram-se pavorosas. A cozinha mal cheirosa guarda restos de tudo, tudo em sobras, em migalhas paposas e estufadas no ralo da pia - Respire calmamente, sentindo o ar entrar e sair dos seus pulmões, beba a água bem devagar, sentindo-a fluir pelo seu esôfago – Ana recosta-se na pia... respira e vai embora.